São Tulipas.

23 de agosto de 2013

Faz alguns anos que não me sentia assim, mesmo não criando expectativas não pude deixar de imaginar, e a minha imaginação consegue ir tão longe quanto qualquer expectativa que eu poderia criar. Um simples e longo suspiro de um tudo bom que poderia ser.
Tive suas mãos em minhas mãos, mas enquanto para você era só o carinho do toque usual, para mim era poder sentir você, mesmo que por um ou dois segundos, fiz deles o par de segundos mais demorados que já vivi só para lembrar daquele momento de ternura. Era você ao meu lado, sua presença inconfundível me deixava mais do que feliz naquele momento, me deixava completamente desconcertado, era um bobo qualquer que estava perdido frente a uma mulher decidida. Era o seu cheiro que aguçava a minha vontade, quase incontrolável, de te beijar, seus lábios mexiam numa delicadeza que só o toque deles nos meus seriam capazes de parar o tempo. Era o seu sorriso, encantador, era o seu humor, contagiante, sua forma de falar, sempre segura, sua maneira de tentar controlar a franja, maldita franja, que lhe fez, mesmo que sem querer, fazer com que eu me apaixonasse por você, foi tão rápido que não pude criar barreiras ou proteções, quando percebi já tinha sido tomado por inteiro. Por fim, era o seu olhar, meigo, aquele que já sabia o que se passava do outro lado, que me hipnotizava, era de uma beleza rara onde eu mergulhava sem palavras.
Mas as tulipas não eram vermelhas, elas eram amarelas desde o início, e eu já sabia disso, não foi por falta de aviso seu, não tenho para quem reclamar ou recorrer, só me resta pensar em você, naquele vestido branco, se despedindo de mim como se nunca mais fosse me ver novamente, e se naquele instante eu morri, foi só para poder sorrir ao escrever isso para ti e sonhar, quem sabe um dia os meus sonhos não se encontrem com os seus em qualquer esquina de coincidência.

"Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar"

Barraca de Pastel

19 de agosto de 2013

Texto retirado do site:
http://papodehomem.com.br/a-minha-vida-amorosa-e-uma-barraca-de-pastel/

A gente sempre junta um grupinho e vai lá aproveitar essa proximidade com uma das fragucias mais paulistanas: o pastel. É uma delícia barata e disputada. Quando chega perto de meio-dia, as barracas cheirando a fritura e aconchego ficam abarrotadas, completamente cercadas de pessoas famintas por um pouco de carne com queijo e atenção. Mais afastado, quase no outro quarteirão, há uma barraca que vende o melhor pastel e, também, o mais barato.
Uma beleza só. Tem brinde da nossa escolha, há a facilidade de pagar com cartão de débito, uma meia dúzia de mulheres — que se misturam entre nipônicas e galegas das mais variadas idades — prontas para atender e anotar os pedidos. Mas é muita gente. É muito pedido. Disputado.
Eu chego e tento fazer meu pedido. Todas correndo. Eu levanto o braço, uma delas me nota, mas vira de costas para a cestinha onde os pastéis prontos ficam descansando e secando o óleo. Espero um pouco, dou uma zanzada. Já obtive o contato visual de uma delas. Nesse momento, ela se torna a minha preferida, a menina que mais quero atenção naquele preciso momento. Giro pela barraca e tento pedir de novo para ela. A danada me dá uma nova olhada e balança a cabeça de um jeito estranho, uma mistura de afirmação e desdém.
Mas eu sei que ela está pensando em mim.
Tento ser positivo. Ela disse que já vai me atender. A menina vai para o outro lado da barraca e atende outra pessoa. Pega um chumaço de papéis e anota vários sabores, cada um deles em um pedaço de papel que, logo depois, servirá de embrulho para os pastéis quentinhos e sortidos.
Quando ela se aproxima, eu tento chamá-la com certa ternura e discrição. Não quero parecer afobado, um maluco a berrar por salgados fritos no meio da multidão. Quando tento, ainda com carinho, encostar meus dedos em seu ombro para que a atenção dela se volte por completo na minha direção, ela se abaixa para pegar algum refrigerante ou sacolinha para outro cliente. Mais uma vez se afasta.
Lá, do outro lado da barraquinha de pastéis, ela sorri para alguém, joga alguma conversinha fora e dá uma gargalhada apressada enquanto enfia pastéis em sacolinhas de papel. Imagino que ela não queira falar comigo, mas tento afastar esse tipo de pensamento e focar na minha confiança de que eu posso, de que eu consigo.
Só que, com o passar dos minutos, percebo que ela evita trombar os olhinhos dela com os meus e, mais ainda, ela se poupa de ter que ir até a ponta da barraquinha em que eu me encontro. Ela me evita. E eu só queria me apresentar e mostrar que eu sou, sim, um cara legal e que posso muito bem ser digno de comer os pastéis dela.
Mas ela não me dá bola, cada vez se afasta mais.
Em certo momento, meus olhos focam o que estava na minha frente. Era outra das atendentes da barraca. Ela me perguntou diretamente se eu já havia feito o meu pedido.
Eu volto a olhar o canto oposto da barraca, a menina lá, atendendo outras pessoas, sendo feliz e ágil com o trabalho dela. Ela nunca seria a minha atendente naquela sexta-feira. Eu faço o meu pedido, recebo os meus pastéis e volto para o QG, ainda na hora do almoço.
Eu, sozinho, e uma sacola cheia de pastéis e amargura.
A minha vida amorosa é uma barraca de pastel.

Jader Pires